Se você anda desde 13 de junho com os olhos semicerrados e se abastecendo de potes de café o dia todo, você não está sozinho.
Durante a primeira semana da Operação Rising Lion contra o Irã, os israelenses – com os olhos sonolentos e movidos a café – que tiveram a sorte de não estar entre as vítimas dos ataques do Irã contra civis, enfrentam o desafio de conciliar lar, trabalho, crianças com a escola suspensa, a ausência de familiares reservistas e a privação de sono.
O que começou com ocasionais alertas dos Houthis, quase sempre nas primeiras horas da madrugada, transformou-se em ataques noturnos esporádicos, porém regulares, de múltiplos foguetes ao entardecer. Esses ataques, majoritariamente direcionados ao centro do país, colocam todo o Israel em risco com a queda de escombros e materiais explosivos enquanto os sistemas de defesa e os soldados trabalham para interceptar os mísseis e drones.
O Dr. Gilad Bodenheimer, chefe dos Serviços de Saúde Mental e de Psicologia Infantil e Juvenil do Ministério da Saúde, afirma que ter dificuldades para dormir nessas circunstâncias é algo normal.
“A ansiedade por estarmos tendo problemas para dormir pode piorar a situação se ficarmos preocupados com o fato de isso não ser normal”, explica. “A primeira coisa que você precisa saber é que muitas pessoas estão tendo dificuldades para adormecer e permanecer dormindo.”
O Dr. Uri Alkan, chefe da Clínica de Cirurgia e Medicina do Sono do Departamento de Otorrinolaringologia do Centro Médico Rabin-Beilinson, em Petah Tikva, encontra-se no exterior e, admitidamente, também está perdendo o sono, preocupado com sua esposa e filhas que estão em Israel. Apesar do momento difícil, ele acredita que há esperança para noites de sono reparador no futuro.
“O sono é essencial para a vida”, explica Alkan. “Como seres humanos, comemos, bebemos, dormimos e nos reproduzimos. Precisamos manter nosso ritmo de sono o mais regular possível, pois nosso corpo funciona em dois modos: Luta/Fuga e Descanso/Digestão. Alarmes, sirenes, a leitura das notícias e a interação com amigos e familiares antes de dormir – ou até mesmo enquanto tentamos dormir – acionam nossa resposta de Luta/Fuga e perturbam o ciclo sono/vigília.
Mesmo dormindo em um ambiente confortável e seguro, e ainda assim acordando a cada alarme, o problema persiste. A privação de sono causa efeitos tanto de curto quanto de longo prazo. No curto prazo, aumenta a incidência de depressão, ansiedade e perda de memória, reduz a libido e o tempo de reação, além de elevar o risco de acidentes de trânsito. A longo prazo, pode ocasionar pressão alta, níveis elevados de glicose e lipídios no sangue, e até mesmo danos ao coração e ao cérebro.
Bodenheimer ressalta que o sono é uma necessidade do nosso corpo, que possui rotinas para a liberação de certos hormônios em horários específicos. Alterar esse ciclo pode confundir esses hormônios, razão pela qual manter a rotina é fundamental em momentos de crise.
É por isso que, quando estamos privados de sono, podemos acabar buscando alimentos ricos em carboidratos. “O hormônio da fome, a grelina, aumenta, enquanto a atividade da leptina – o hormônio da saciedade – diminui, deixando-nos com mais fome”, explica Alkan.
“O sono começa muito antes da hora de deitar”, afirma Alkan. Durante o dia, manter uma rotina básica é essencial para o bom funcionamento do corpo. Isso inclui praticar exercícios e ter ampla exposição à luz do sol.
“Estar exposto à luz durante o dia e evitar luzes intensas à noite nos mantém mais alertas e ativos. A atividade física reduz a ansiedade e facilita a chegada do sono quando a noite cai. As crianças, que agora estão fora da escola, também precisam de uma rotina regular para garantir horas suficientes de sono REM.”
O especialista recomenda que os pais mantenham uma rotina, mesmo entre os alertas de mísseis, para garantir que os pequenos durmam e acordem em horários regulares. “Embora as crianças já sejam expostas aos alarmes, devemos evitar expô-las aos detalhes dos mísseis que caem nas proximidades. Elas já estão suficientemente traumatizadas com os sons dos alarmes; procure protegê-las de informações sobre mortes e ferimentos e fique atento a sinais de estresse.”
Alkan não se opõe a uma boa soneca durante o dia, contanto que ela não atrapalhe o sono noturno. Ele recomenda limitar os cochilos a cerca de 20 minutos e, se possível, utilizar aplicativos que auxiliem na meditação e no relaxamento. Bodenheimer acrescenta que um cochilo de até duas horas, quando alguém passou a noite inteira acordado, é perfeitamente normal.
Além disso, conversar com os vizinhos sobre as dificuldades de sono pode render dicas e soluções úteis para lidar com os desafios diários.
Ambos os médicos alertam para evitar assistir às notícias à noite ou ler feeds de notícias no celular antes de dormir – uma recomendação que, embora simples, é difícil de ser colocada em prática.
“Evite adormecer em frente à TV”, aconselha Bodenheimer. “A televisão cria muitas distrações: a luz, o barulho e a ansiedade das notícias podem manter você acordado.”
“Nem sequer leia jornais uma ou duas horas antes de se deitar”, sugere Alkan. “Prefira ler um livro ou ouvir um podcast. Faça do seu espaço de sono – seja em um cômodo seguro ou abrigo – um ambiente o mais confortável possível, utilizando bons colchões, cobertores aconchegantes e travesseiros adequados.”
Bodenheimer complementa: “O sono exige um ritual regular para que a nossa mente entre no modo de descanso. Dormir em frente à TV ou mexer no celular para conferir as notícias pode atrapalhar o ciclo natural do sono, aumentar a ansiedade e agravar os problemas para dormir.”
Ele recomenda deixar o celular a um metro de distância, de modo que ele sirva somente para alarmes e chamadas emergenciais.
“Faça o que for necessário para se distrair um pouco – por exemplo, tomar um banho”, sugere, enquanto Alkan explica que é importante evitar a luz azul à noite, seja de lâmpadas fluorescentes ou de computadores antigos que não possuem filtro para esse tipo de iluminação.
“Nosso cérebro interpreta a luz azul como sinal de que é manhã, e não noite. Manter horários regulares é fundamental. Além disso, reduzir a temperatura ambiente em cerca de um grau pode facilitar o início do sono. Evite também refeições pesadas tarde da noite, embora haja situações em que um lanche antes de dormir não atrapalhe o sono.”
Depois de um alarme, Alkan recomenda o contato físico para ajudar o corpo a retomar o sono. “Abracem seus parceiros ou crianças. O toque humano nos relaxa, estimulando a produção de oxitocina, o hormônio do bem-estar, e reduzindo os níveis dos hormônios do estresse, como cortisol e adrenalina.”
Se a ansiedade estiver impedindo o sono, ele sugere sair da cama e realizar alguma atividade relaxante, como ler um livro.
“É melhor sair da cama e se ocupar com algo do que ficar se preocupando enquanto está deitado”, aconselha.
A privação de sono pode criar um ciclo vicioso, onde a ansiedade e a depressão dificultam o sono, o que, por sua vez, agrava esses sintomas. “Precisamos lembrar que nosso corpo sabe como dormir”, afirma Alkan. “A maioria de nós é capaz de se recuperar.”
Embora medicamentos possam ajudar a induzir o sono, eles também podem fazer com que você durma mesmo em situações de alerta extremo – ou, pior, atrapalhar sua capacidade de se deslocar rapidamente para o abrigo seguro.
“Nenhum de nós está dormindo. Estamos todos aguardando o próximo alarme”, comenta Bodenheimer. “Se você não conseguiu dormir nada por mais de 48 horas, é importante procurar um médico de confiança que possa indicar, por exemplo, a melatonina ou outro remédio mais apropriado.”
Em situações traumáticas, os medicamentos para sono podem prejudicar a reação ao trauma, dificultando respostas rápidas aos alertas. “Se for necessário o uso de um sedativo, prefira tomá-lo já no abrigo seguro, para que você consiga dormir ali.”
O especialista em saúde mental também alerta que pessoas com diagnóstico de depressão ou transtorno bipolar podem sentir que a falta de sono agrava seu estado, devendo procurar seu psiquiatra imediatamente.
“Na medicina, não existe solução mágica”, afirma Alkan. “A maioria das pessoas naturalmente se reajustará a um padrão regular de sono após o fim do conflito. Contudo, se a privação de sono se tornar um hábito, ela pode evoluir para insônia crônica. Caso isso persista por mais de três meses após o fim da guerra, é fundamental buscar orientação especializada. A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é um dos melhores tratamentos para a insônia, e existem medicamentos específicos para episódios agudos.”
Embora seja difícil mensurar as estatísticas deste conflito, Bodenheimer observou que, após 7 de outubro de 2023, o Ministério da Saúde registrou um aumento na prescrição de medicamentos para dormir. Ainda que os números nunca tenham retornado aos níveis anteriores à guerra, houve uma redução significativa na necessidade desses remédios à medida em que as pessoas foram se adaptando à nova realidade.
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